uma zebra em meio a cavalos
sobre se sentir um alienígena a vida inteira por nenhum motivo aparente
como queres que te achem se tu mesmo te escondes nas próprias costelas, moldando alguém a qual nem reconheces?
Desde que eu era bem pequenininha, uma mini-humana em meio a um planeta absurdamente gigantesco e com expectativas maiores do que podia alcançar (e olha que eu já alcançava a gaveta de bolachas na cozinha), eu sabia que tinha algo que simplesmente não se encaixava.
Sabe aquele sentimento quando você tá montando um quebra cabeça, tem a peça aparentemente perfeita na sua mão, mas por algum motivo ela não cabe no lugar que você ta querendo encaixar e se você forçar só deixa o desenho esquisito? Pois é, mesma sensação.
Eu não gostava das coisas comuns, não me interessava em brincar de esconde-esconde ou ficar pulando corda. Minha brincadeira preferida era achar plantas no pátio da escola e plantá-las novamente na terra, depois disso, eu regava e passava o resto da semana vendo se elas iam sobreviver e crescer firmes e forte.
Digamos que eu não seria uma boa bióloga.
O que eu quero dizer é que, sempre teve algo que me distanciava das pessoas. Não importa o quanto eu tentasse, eu simplesmente não conseguia me vincular com alguém ou me sentir parte daquele jardim.
E eu tenho certeza que se você tá lendo isso e ainda não foi embora, provavelmente já passou pela mesma coisa.
Acontece que, recentemente, vi essa garota falando algo sobre “ser uma zebra em meio a cavalos” e aquilo pareceu fazer muito sentido no ínicio. A minha vida toda eu pensei que era só um cavalo esquisito em meio a vários normais. Todos seguindo o mesmo padrão, todos fazendo o mesmo trajeto durante o dia, e eu só me forçava a acompanhar.
Acontece que eu não era um cavalo esquisito. Muito menos um cavalo. Com 14 anos, comecei a fazer acompanhamento psicológico e descobri que eu não era realmente normal, eu não poderia me tornar normal. Era algo que tava comigo, que tava na minha genética (valeu pai) e que na verdade tinha suas certas qualidades, apesar de fazer eu nunca conseguir me conectar verdadeiramente com alguém da minha idade.
Com isso, comecei a parar para perceber que isso não é só comigo, eu não sou a única zebra no mundo.
A verdade é: zebras são animais inteligentes. Elas vão fazer de tudo para se camuflar e não serem vistas como presas fáceis. É por isso que a gente se sente sozinho no mundo, quem tem a mente mais artística, quem pensa demais, quem sente demais, quem age com a própria essência e não conforme o denominado “padrão”. Todos fazem parte desse mesmo grupo, mas estão ocupados demais se camuflando como um cavalo para enxergar os outros que se parecem consigo.
O medo de ser visto como diferente e julgado é uma tragédia. Todos nascemos perfeitos, dos fios de cabelo aos dedos do pé, a maior tragédia é sermos convencidos pela sociedade o contrário.

Quando eu descobri que era superdotada, quando ouvi um número alto demais ser dado a mim, alguém que se considerava tão pequena e insignificante, pensei que tinha dado algo errado na hora dos testes.
Sempre achei que pessoas assim eram o Einstein, um crânio na matemática, um Jovem Sheldon da vida real e que seriam os próximos a descobrir a cura pro cancêr. Eu era só uma garota que tocava guitarra, escrevia poemas no bloco de notas do celular e jogava minecraft a noite com minha prima enquanto amassava uma tijela de açai. Não fazia sentido.
Mas, sinceramente, tem algo nessa vida que faça?
E isso não é só comigo, sei que existem várias zebras que podem ler isso agora e se identificar, podem sentir o mesmo peso que eu senti quando percebi o tanto de potencial que eu tinha e o quanto aquilo tudo estava sendo utilizado de forma fútil.
É assustador quando você pensa sobre isso muito profundamente. Quando você percebe que, se ficar em silêncio, consegue ouvir o estalo das próprias costelas amassando seu pulmão com o peso de todas as vidas que você não viveu, todas as oportunidades que você não explorou e optou por ignorar ou desistir.
É assustador pensar em quem você era quando criança, em todos os caminhos que tinha pela frente e nas pedras que decidiu pular para não cair nesse rio forte, cheio de correntezas cruéis demais para alguém tão jovem.
Você se lembra de quem era antes do mundo te mostrar quem você deveria ser?
A verdade é que não tem nada a ser feito a respeito do que já passou, mas o futuro não está condenado. Não faz sentido se deixar apodrecer antes mesmo de virar um cadáver.
Não vale a pena passar tanto tempo pensando no pior e se condenando por decisões que ficaram no passado, não tem mais ninguém lá, não vale a pena voltar. A gente perde muito tempo se afogando em palavras não ditas e se envenenando com o suco da própria mente.
E isso vem de uma pessoa extremamente ansiosa, então, confia em mim, eu sei do que tô falando.

Acontece que, de repente, a infância acabou, agora eu preciso decorar meu próprio CPF, almoçar sozinha e lidar com adolescentes que parecem ter parado de progredir mentalmente aos 12 anos enquanto eu me sinto uma velha presa em um corpo jovem.
E tá tudo bem com isso, sabe? Tá tudo bem ser zebra, ser flor, ser velha, ser cavalo ou qualquer coisa do tipo. De qualquer forma, no fim do dia, você vai sentar na sacada, observar o pôr so sol com uma xícara de chá de erva-doce e pensar “que porra eu tô fazendo com a minha vida”
E eu posso te garantir que você tá fazendo o certo, que você tá dando o seu máximo e no fim tudo vai se encaixar, mesmo que agora pareça que nem você se encaixe.
Porque mesmo que você se sinta pontiagudo demais, redondo demais, uma peça de canto ou qualquer coisa do gênero, com certeza tem algum quebra cabeça por aí esperando para se completar com a sua peça.
E, quando você se sentir pequeno demais, lembre-se de que assim são as estrelas vistas a uma certa distância.
Recomendações de música ;)
playlist que eu mesma fiz e que inspirou o nome da newsletter:
playlist que eu escuto enquanto faço cerâmica:



meu. Deus. o texto todo foi espetacular, mas quando vc fez tipo uma revisão de tds as referências durante o texto, eu quebrei ❤️
“Todos nascemos perfeitos, dos fios de cabelo aos dedos do pé, a maior tragédia é sermos convencidos pela sociedade o contrário.” 😭